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Vol. XXXII(4), No. 128, Octubre-Diciembre de 2003.
ISSN: 0185-2760


Octubre - Diciembre
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Consejo Editorial
Mirador

O FINANCIAMIENTO DO ENSINO SUPERIOR FEDERAL NO BRASIL E A IDA AO QUASE-MERCADO EDUCACIONAL
NELSON CARDOSO AMARAL

Correo-e: [email protected]
Instituto de Física da Universidade Federal de Goiás (UFG),
São Paulo, Brasil.

Resumen

Las Instituciones Federales de Educación Superior (IFES) brasileñas han sufrido, después de la Constitución de 1988, más específicamente durante los gobiernos de Fernando Henrique Cardoso (1994-1998 y 1998-2002), el impacto de las medidas relacionadas a la crisis del Estado de Bienestar Social. En la economía, se implantaron reformas que privatizaron las empresas públicas, congelaron salarios, protegieron al sistema financiero y abrieron el mercado nacional para los productos extranjeros. En la educación superior, lo que se vio fue una prédica a favor del eficientismo y de la búsqueda de fuentes alternativas de financiamiento. Durante los gobiernos de FHC no quedó otra salida para las IFES sino dirigirse al cuasi mercado educativo en busca de recursos para su supervivencia, lo que ocurre a partir de la imposibilidad real de generar recursos propios en el mercado financiero.

Palabras clave: Financiamiento de la educación superior; fuentes alternativas de financiamiento; cuasi mercado educacional.


Abstract

The Brazilian Federal Institutions of Higher Education (IFES) suffered, after the promulgation of the 1988 Brazilian Constitution, and especially during Fernando Henrique Cardoso’s (FHC) governments (1994 to 1998 and 1998 to 2002), the impact of measures related to the crisis of the european welfare state. In the economy sector, reforms were implemented to privatize state owned enterprises, wages were frozen, measures to protect the financial system were taken and the national market was open to foreign goods. Regarding the Higher Education sector, what was seen was a preaching in favor of efficientism and the search for alternative sources of financing. During the two FHC’s mandates, the IFES were left with no alternative other than heading for the educational quasi-market in search for survival resources, which happened as a result of the real impossibility to generate their own resources in the financial market.

Key-words: Higher education financing; alternative sources of financing; educational “quasi-market”.

Introdução

O Grupo Assessor em Educação, do Diretor Geral da UNESCO, integrado por especialistas das diversas regiões do mundo, identificou, em 1995, os grandes temas de debate sobre a educação superior no final do século XX. Um dos temas em discussão foi o do financiamento e a necessidade de abordá-lo com profundidade, devido ao fato de ele “... ser cada vez mais compressivo...” em muitos países. (Bernheim, 1995: 123). Outros tópicos levantados pelo Grupo Assessor permearam os seguintes temas: o papel das ciências humanas na discussão dos rumos da sociedade; integração entre o ensino e a pesquisa, democratização, qualidade, diversificação, relações com o setor produtivo; educação continuada, independência intelectual e liberdade acadêmica; impactos da globalização etc. (IDEM, 1995: 123).
Neste estudo trataremos do financiamento das 52 Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) no período pós-constituição de 1988. Este conjunto é constituído de 39 universidades, 8 faculdades e 5 centros federais de educação tecnológica e está localizado em 24 Estados da federação brasileira e no Distrito Federal. A abrangência nacional das IFES constituir-se-ia em importante fator de redistribuição da riqueza nacional e, pelo fato de as instituições públicas de ensino superior brasileiras (incluídas as estaduais, em especial as paulistas) serem responsáveis por mais de 90% da produção científica do País, mostra a sua importância no conjunto de ações que precisam ser realizadas para o desenvolvimento econômico e social brasileiro.
Após o regime militar de 1964, que se encerrou com a posse do Presidente José Sarney, em 1985, e com a elaboração de uma nova Constituição em 1988, as universidades tiveram garantido no novo texto Constitucional, em seu artigo 207, a autonomia universitária e, em especial, a autonomia de gestão financeira. Esperava-se que, com essa determinação constitucional, as instituições públicas começassem a ter resolvidos vários de seus problemas, tais como a falta de autonomia para as mais simples ações administrativas e orçamentárias; a escassez crônica de recursos para o financiamento de suas ações e expansão do sistema; e a inexistência de ações colaborativas entre elas.
Entretanto, a partir de 1990, os Presidentes Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso iniciaram a implantação das políticas sugeridas pelas “orientações” de organismos multilaterais, elaboradas após a crise do Estado de Bem-Estar Social. Na economia, foram implantadas reformas que privatizaram as empresas estatais, congelaram salários, protegeram o sistema financeiro e abriram o mercado nacional para produtos estrangeiros. No ensino superior, o que se viu foi uma verdadeira cruzada em favor do eficientismo, da competição entre as instituições e da procura por fontes alternativas de financiamento no quase-mercado educacional, que complementassem aquelas do Fundo Público1.
O Banco Mundial, com uma visão extremamente financista, pronuncia-se sobre pontos importantes da vida das Instituições (BIRD, 1995) e apresenta-se como agente financiador e “avalista” de dívidas externas dos países, revestindo suas “orientações” de um caráter de obrigatoriedade para governantes de países que, como o Brasil, dependem de recursos financeiros internacionais.
Essas “orientações” fizeram com que em muitos países do mundo ocorressem mudanças no financiamento e na gestão do ensino superior que seguiram diretrizes muito parecidas: expansão e diversificação das instituições, compressão dos recursos fiscais disponíveis para o desenvolvimento das atividades institucionais; ida ao mercado à procura de recursos financeiros extra-orçamentários e exigências de maior eficiência, qualidade e responsabilidade. (Johnstone, 1998: 2).


No Brasil as mudanças na área do ensino superior foram amplamente iniciadas no Governo FHC (Baumann, 2001: 155). O documento “A política para as Instituições Federais de Ensino Superior” (MEC, 1995), continha os seguintes pontos considerados essenciais na implementação das mudanças:

1) Promover a plena autonomia de gestão administrativa e financeira das universidades federais, preservando sua condição atual de entidades de direito público; 2) A autonomia de gestão administrativa deverá incluir o poder de cada universidade decidir autonomamente sobre sua política de pessoal, incluindo contratações e remunerações, observando parâmetros mínimos comuns da carreira docente e do pessoal técnico-administrativo; 3) O governo federal definirá a cada ano um orçamento global para cada universidade, que será repassado em duodécimos e administrado autonomamente por cada uma delas; 4) O Governo Federal manterá pelo menos nos níveis reais atuais o gasto anual com as universidades e demais instituições de ensino superior; 5) O Ministério da Educação, ouvidos os Reitores das Universidades Federais, fixará os critérios para a distribuição dos recursos entre as instituições, levando em consideração a avaliação de seu desempenho e buscando estimular o aumento da eficiência na aplicação dos recursos públicos e a ampliação do atendimento à população; 6) As universidades serão estimuladas a buscar fontes adicionais de recursos junto a outras esferas do poder público e à iniciativa privada para ampliar o atendimento a outras demandas sociais além do ensino; 7) Nas instituições públicas federais os cursos de graduação, mestrado e doutorado serão gratuitos e 8) Os hospitais de ensino serão subordinados academicamente às universidades, mas terão autonomia administrativa com gestão profissional.
Percebe-se que todos esses pontos, direta ou indiretamente, se relacionam ao financiamento das Instituições. As ações governamentais percorreram os caminhos traçados por esse planejamento: foram apresentadas diversas propostas de implementação da autonomia de gestão administrativa e financeira; os gastos anuais com as IFES foram decrescentes; a distribuição dos recursos entre as IFES concentrou-se em indicadores de eficiência, por exemplo, quando aumentou o número de alunos; as Instituições foram obrigadas, para a sua sobrevivência, a buscar fontes adicionais de recursos junto a outras esferas do poder público e à iniciativa privada, cobrando assessorias, consultorias, cursos de especialização e extensão, prestação de serviços técnico-laboratoriais especializados – tudo isso via fundações de apoio, entes de direito privado que ganharam destaque especial nas instituições; os hospitais universitários instituíram fundações de apoio (privadas) próprias e os seus orçamentos passaram a ser executados fora do orçamento das IFES, etc.
O financiamento das IFES representa um ponto importante na discussão da vida nacional e é fundamental para a definição de seu próprio perfil: se um “escolão” de terceiro grau, apenas formador de profissionais para o mercado, ou se uma instituição que ensina, que aprimora o conhecimento humano através da investigação científica, e interage com a sociedade procurando solucionar os problemas que a afligem.
Com a mundialização do capital, a rapidez do aparecimento/desenvolvimento de novas tecnologias, as políticas de ensino superior e de ciência e tecnologia passam a desempenhar, nos dias atuais, o mesmo papel da educação primária no século XIX e início do século XX. Agora, a inexistência de políticas “apropriadas” de ensino superior e de ciência e tecnologia pode significar a servidão e a subjugação de um país frente a outro país; antes, a inexistência de uma educação primária universal significava relações servis e subjugadas entre aquelas pessoas que detinham um certo grau de escolaridade e aquelas que não o possuíam.

A crise do Estado de Bem-Estar Social e o quase-mercado educacional

A definição de políticas para a educação pública em geral e do financiamento do seu ensino superior está sujeitas à estrutura da sociedade em termos ideológico-econômicos. Nos últimos 25 anos ocorreram alterações na estruturação da sociedade capitalista-liberal, que estão provocando grandes transformações, agrupadas por Fiori em “sete campos ou dimensões fundamentais” (2001: 95-06): geopolítico mundial; político-ideológico; econômico ou monetário-financeira; revolução tecnológica; trabalho ou do emprego; espaço da periferia capitalista e fragilização generalizada dos Estados nacionais.
No campo geopolítico mundial houve um redesenho dos espaços e da hierarquia entre os países, consolidando-se um “império” comandado pelos americanos e ingleses. O campo político-ideológico mundial alterou-se fundamentalmente após a crise do Estado de Bem-Estar Social, provocando o retorno das idéias ultraliberais que se tornaram “pensamento único”. No campo econômico as transformações ocorreram pela força que passou a ter o mercado financeiro, que foi desregulamentado, abrindo-se uma competição exacerbada entre os países pelo capital financeiro internacional. O quarto campo é o da revolução tecnológica que ocorreu na microinformática e nas telecomunicações que alteraram o mundo do trabalho, provocando um brutal aumento do desemprego. Outro campo de transformação é uma conseqüência da revolução tecnológica e atinge o trabalho ou emprego: com a crise dos anos 70, houve uma deterioração do mercado de trabalho, gerando desemprego, subempregos e, por isso mesmo, propiciando uma degradação das relações entre sindicatos de trabalhadores e patrões. Os dois últimos campos de transformação, o espaço da periferia capitalista e a fragilização dos Estados nacionais encerram essa análise promovida por Fiori. Os países da periferia capitalista se viram imersos em suas dívidas e na necessidade de serem superavitários em suas balanças de pagamento. Pressionados, esses países e seus dirigentes se submeteram às “orientações” emanadas dos organismos multilaterais que, por sua vez, estabeleceram diretrizes que defendiam, primeiro, os interesses dos grandes capitalistas e, depois, os interesses dos Estados nacionais; daí sua fragilidade frente às negociações travadas na esfera internacional. Contraditoriamente, os Estados fortaleceram-se sob a filosofia do mercado, do “pensamento único”. (IDEM, 2001: 96-00).
Todas essas transformações vieram em contraposição ao que se chamou de Estado de Bem-Estar Social e que havia se instalado em muitos países desenvolvidos, onde se originou o chamado Fundo Público, constituído de recursos oriundos da sociedade, materializados pela cobrança de impostos, contribuições, taxas, etc. O Fundo Público passou a ser, então, no capitalismo, o intermediador da tensão entre a grande massa, ansiosa por receber benefícios ditos sociais, e os detentores do capital, obrigados, pela intervenção do Estado, a diminuir o ardor com que procuravam o aumento do lucro e a acumulação de riqueza. Esse foi, então, o ambiente que se estabeleceu em diversos países da Europa, tendo seu auge nos anos 60 e 70.
Com a crise do petróleo nos anos setenta e com o deslocamento de corporações européias para outras regiões do planeta à procura de melhores condições materiais -doação de terrenos para instalações, isenções de impostos, subsídios para a energia elétrica etc.- e de remuneração dos trabalhadores, que proporcionassem o aumento de seus lucros, os diferentes Estados europeus, principalmente o inglês, entraram em profunda crise fiscal, não mais conseguindo manter o nível de Bem-Estar Social até então vigente (Oliveira, 1988). Caracterizada como crise do Estado do Bem-Estar Social, iniciaram-se, então, reformas do Estado, que significaram clara marcha à ré nessa configuração social do Estado.
O colapso do sistema econômico-político, a que Harvey (2000: 119) chamou de “fordista-keynesiano”, deu-se a partir de 1973, quando o capitalismo incorporou novas e mais flexíveis formas de produção.
Assim como se imputou ao Estado de Bem-Estar Social, na Europa, a responsabilidade pelo déficit público, pela inflação, pelo desestímulo à concorrência e à criatividade, etc, também na América Latina responsabilizou-se o Estado-Nacional Desenvolvimentista por esses mesmos fatores de crise.
Na visão do ex-Ministro Paulo Nogueira Batista (1999: 23-8) há um tremendo erro nessa avaliação sobre a América Latina. A verdadeira origem da crise econômica latino-americana estaria, primeiro, no grande endividamento externo dos anos 70, junto ao mercado privado de capitais; segundo, na “abrupta decisão norte-americana de desvincular o dólar do ouro e de deixar flutuar sua moeda [o que] já denotava a tendência da superpotência responsável pela estabilidade da ordem econômica vigente a tomar decisões unilateralmente, sem levar em conta o impacto internacional de medidas de grande envergadura” (Batista, 1999: 24); e, terceiro, conseqüência da anterior, uma elevação espetacular das “taxas de juros sobre o dólar para combater a inflação nos Estados Unidos” (idem, 24), o que elevou violentamente a dívida dos países da América Latina e, por último, forçou a renegociação do pagamento das dívidas com a assunção de compromissos que não poderiam ser cumpridos pelos devedores sem causar a diminuição dos recursos destinados às atividades sociais e o sacrifício do processo de desenvolvimento do país.
Para proceder a uma avaliação das reformas econômicas nos países da região, e discutir os rumos a serem tomados, convocados pelo Institute for International Economics e sob o título “Latin American Adjustment: How Much Has Happened?”, em 1989, no mês de novembro,
...reuniram-se na capital dos Estados Unidos funcionários do governo norte-americano e dos organismos financeiros internacionais ali sediados -FMI, Banco Mundial e BID- especialistas em assuntos latino-americanos. (...) Às conclusões dessa reunião é que se daria, subseqüentemente, a denominação informal de “Consenso de Washington” (Batista, 1999: 11).

Nessa reunião, não se tratou de educação, saúde, distribuição de renda, eliminação da pobreza etc. As discussões se desenvolveram em torno das seguintes áreas: “1) disciplina fiscal; 2) priorização dos gastos públicos; 3) reforma tributária; 4) liberalização financeira; 5) regime cambial; 6) liberalização comercial; 7) investimento direto estrangeiro; 8) privatização; 9) desregulação; 10) propriedade intelectual” (Batista, 1999: 19 e 33).
A disciplina fiscal deveria se dar pela “redução dos gastos públicos”; a liberalização comercial se promoveria pela “redução das tarifas de importação e eliminação das barreiras não-tarifárias”; a liberalização financeira ocorreria por meio de “reformulação das normas que restringem o ingresso de capital estrangeiro”; a desregulação dos mercados se daria pela “eliminação dos instrumentos de intervenção do estado, como controle de juros, incentivos etc.” e deveria ocorrer uma completa “privatização das empresas e dos serviços públicos” (Soares, 1996: 23).
Esse conjunto de prescrições transformou-se “... num novo senso comum, quase ensurdecedor” (Fiori, 2001: 74), que ficou conhecido como “pensamento único”. De posse dessa avaliação, parece-nos que, ao seguirem sem grandes questionamentos as políticas traçadas por organismos internacionais, estariam os países latino-americanos reféns de suas imensas dívidas externas e, por isso, estariam abrindo mão de suas condições de Nações política e economicamente independentes e entregando, aos seus credores, as decisões mais importantes sobre políticas macroeconômicas e relações internacionais.

A implantação de reformas que coincidem com as previstas no Consenso de Washington recrudesceu nos Governos FHC. (Baumann, 2001: 155). No caso da educação brasileira nenhuma reforma mais abrangente realizou-se nos Governos Collor e Itamar, apesar de algumas tentativas, principalmente no curto Governo daquele. Somente a partir de 1995 é que: “... a reforma modernizadora da educação superior ganhou grande força e as idéias neoliberais se materializaram em políticas e em um quadro legal-burocrático coerente com as novas configurações”. (Dias Sobrinho, 2001b: 28).
Portanto, o que se viu a partir dos anos oitenta foi a pregação sobre o fim do Estado keynesiano e a conseqüente política de redução da presença do Estado, e a valorização das atividades privadas e da “mão invisível” do mercado. Esse novo ambiente liberal propagou-se para as escolas e o que se anunciou foi a decadência e a incapacidade de a escola pública enfrentar os desafios apresentados pelos dias atuais, quando se exige agilidade e presteza, que seriam possíveis somente com a atuação das leis de mercado regendo as relações entre escolas, entre trabalhadores e a escola e entre a escola e a sociedade. (Saviani, 1992: 11).
Em especial, o ensino superior recebeu sérias críticas, em campanha pública aberta, segundo as quais as instituições públicas de ensino superior seriam “incompetentes, exageradamente dispendiosas e desligados das necessidades da sociedade, ou melhor, da indústria” (Dias Sobrinho, 2001b: 11).

O quase-mercado educacional

No campo educacional iniciou-se, ao invés da “privatização direta” da escola pública, o que Dias Sobrinho (2001:1) chamou de “privatização dissimulada”, uma vez que a escola pública não se enquadra perfeitamente em um “mercado” mas, sim, em um quase-mercado (Afonso, 2000: 115): “quase-mercados são mercados porque substituem o monopólio dos fornecedores do Estado por uma diversidade de fornecedores independentes e competitivos. São quase porque diferem dos mercados convencionais em aspectos importantes”..
Nesse novo formato as instituições passam a atuar como um híbrido “público-privado”. No que se refere ao financiamento, apesar de continuarem a receber recursos do Fundo Público, estes são cada vez menores. Isso obriga as instituições a procurarem fontes alternativas de recursos financeiros, seja através da prestação de serviços à população, oferecendo cursos de especialização e extensão, consultorias, assessorias, etc., seja pela cobrança de taxas, matrículas, serviços de laboratórios e outros.
A lógica economicista presente nas orientações do novo liberalismo pós-crise do Estado de Bem-Estar Social desloca o eixo desse híbrido “público-privado” mais para o lado privado, cujo campo de atuação obedece aos princípios da competitividade e da eficiência. Sobrinho vê um grave deslocamento ético nesse processo (Dias Sobrinho, 2001: 4):

Opera-se aí um deslocamento ético. Valores de primeira ordem e como tal aceitos universal e historicamente, como solidariedade, cooperação, colegialidade, tolerância, paz, justiça e outros da mesma linha, são substituídos por outros valores economicistas, como eficiência, produtividade, competitividade, utilidade, funcionalidade. (negrito nosso)

Esse movimento do público rumo a um híbrido “público-privado” atuando num quase-mercado, vem acompanhado de um grande interesse da iniciativa privada por investir nesse setor, pois passou a vê-lo como atividade altamente lucrativa. Entretanto, nem sempre foi assim (Saviani, 1992: 17):

“O próprio Adam Smith considerava que, de um modo geral, as atividades não-materiais, entre as quais se situa a educação, são improdutivas, o que quer dizer que o trabalho aí implicado ‘perece no mesmo instante em que é produzido’; não geram, pois, valor excedente, logo, não possibilitam a apropriação de lucro (Cf. Smith, Livro II, Cap. III).

Pode até parecer um contra-senso, mas um processo de privatização não significa, obrigatoriamente, que o volume de recursos financeiros diminua, em termos reais. Em “A Privatização da Política Educacional: dez questões”, Gentili nos alerta para esse fato e enuncia dez questões tentando compreender o processo de privatização. O autor defende que o ato de privatização é de natureza política e não econômica já que ela está “sustentada na necessidade de gerar uma profunda redefinição do papel do Estado e uma redistribuição regressiva do poder em favor dos setores mais poderosos da sociedade” (Gentili, 2000: 2).
As reformas são apoiadas por organismos multilaterais como o FMI, BIRD, OMC e OCDE. Atuando em um amplo espectro, econômico, financeiro, cultural e ideológico, as avaliações e recomendações emanadas de seus relatórios se revestem de um poder incomensurável para países imersos em enormes dívidas externas e, cada vez mais, dependentes do capital financeiro internacional na estabilização de suas economias nacionais. Dado o peso do aspecto financeiro para definição das reformas, “o primeiro aspecto importante dessa intervenção consiste na questão dos financiamentos relativos à educação superior” (Dias Sobrinho, 2001: 2):
As instituições públicas de ensino superior estariam sendo levadas pelo modo de estruturação do novo capitalismo liberal a produzir também cientificamente, cada vez mais com “cunho comercial” (Harvey, 2000: 151).
Outra vertente importante das reformas implementadas após a crise do Estado de Bem-Estar Social é o deslocamento do foco do processo para os resultados, isto é, o governo “deve imbuir-se do espírito controlador e planejador”. Estamos, então, diante de um “Estado Forte”, no dizer de Dias Sobrinho, que descentraliza e fala em autonomia mas, ao mesmo tempo, mantém controle através de legislações que retiram a aparente liberdade outorgada e através de fiscalização e avaliação dos resultados (Dias Sobrinho, 2001: 6).
Essa posição significou uma ruptura com o que se encontrava estabelecido no período da política de Bem-Estar Social, quando a fiscalização e avaliação tinham “... o propósito de analisar a eficácia dos programas com a finalidade de torná-los melhores e mais produtivos em termos sociais” e, agora, passava a prevalecer a “... lógica do controle e da racionalidade orçamentária, que efetivamente significa cortes de financiamento e rebaixamento da fé pública”(Dias Sobrinho, 2001: 11).

Os recursos financeiros das IFES

Os recursos das IFES no período pós-constituição de 1988 podem ser examinados separando quatro períodos: governo Sarney; governo Collor; governo Itamar e governo FHC. A Tabela 01 e o Gráfico 01 apresentam a evolução dos gastos das IFES de 1980 a 2001, excluindo-se os recursos próprios.
O ano de 1989, Governo Sarney, registrou os valores mais elevados para os recursos das IFES. Esse fato pode ser, em grande parte, creditado à grande movimentação sindical que promoveu greves nos anos de 1980 (26 dias); 1981 (20 dias); 1982 (32 dias); 1984 (84 dias); 1985 (45 dias); 1987 (44 dias); e 1989 (66 dias). (ANDES, 2001).
Nos anos de 1990 a 1992, governo Collor, houve a chegada ao “fundo do poço” de todo o período pós-constituição de 1988. O ano de 1992 registrou os menores valores para os recursos totais e um enorme achatamento salarial. No período de 1993 a 1994, houve uma recuperação nos valores destinados às despesas das IFES sem, entretanto, chegar a recuperar os valores de 1989. Nos governos FHC, de 1995 a 2001 registra-se uma queda maior de 1995 para 1996 e, depois, quedas contínuas e menores até o ano 2001, com um pequeno aumento em


Tabela 1
Recursos das IFES no período 1980 a 2001, excluindo-se os recursos próprios

Ano Pessoal
Outras despesas
correntes e investimentos
Total
1908 4166 618 4784
1981 4429 669 5098
1982 5260 600 5861
1983 4305 386 4690
1984 3787 356 4143
1985 5000 468 5468
1986 5412 638 6050
1987 7502 751 8253
1988 9155 616 9772
1989 9372 416 9788
1990 7134 1028 8162
1991 5411 666 6076
1992 4739 629 5367
1993 5964 1086 7049
1994 7364 639 8003
1995 8441 1003 9445
1996 7524 984 8508
1997 7492 1017 8509
1998 7393 1025 8417
1999 7655 829 8484
2000 7167 836 8003
2001 6523 804 7326

 

Valores em R$ milhões, a preços de janeiro de 2002 (IGP-DI/FGV)
Fonte: 1980-1989: MEC/SENESU/DPA; 1990-1994: MF/STN/CGC; 1995-2001: Execução.
Orçamentária da União, http://www.camara.gov.br

Gráfico 1
Recursos das IFES no período 1980 a 2001, excluindo-se os recursos próprios

Valores em R$ milhões, a preços de janeiro de 2002 (IGP-DI/FGV)

1989:Gov. Sarney; 1990-1992:Gov.Collor; 1993-1994: Gov. Itamar; 1995-2001: Gov.FHC

 

Tabela 2
Recursos das IFES como percentual das despesas correntes do FPF, do PIB,
e da arrendação do impostos da união

 
IFES
Recursos
%
FPF
%
PIB
%
Impostor
1989 186,172.9 1,092,465 84,848 10,375 5.57 0.95 12.2
1990 178,350.6 1,093,068 92,999 8,636 4.84 0.79 9.3
1991 129,634.5 1,110,963 73,047 6,749 5.21 0.61 9.2
1992 143,308.7 1,080,579 44,131 6,086 4.25 0.56 13.8
1993 184,090.1 1,067,765 80,938 7,923 4.30 0.73 9.8
1994 177,902.6 1,179,919 108,100 9,625 5.41 0.90 8.9
1995 203,282.1 1,280,178 92,870 10,402 5.12 0.88 11.2
1996 209,992.9 1,326,222 92,937 9,297 4.43 0.73 10.0
1997 215,353.0 1,340,292 95,181 9,208 4.28 0.69 9.7
1998 237,263.6 1,340,292 106,196 9,046 3.81 0.67 8.5
1999 245,514.4 1,269,438 106,790 8,743 3.56 0.69 8.2
2000 229,699.0 1,257,969 97,401 8,346 3.63 0.66 8.6
2001 245,327.3 1,242,027 102,022 7,638 3.11 0.61 7.5

 

Valores em R$ milhões, a preços de janeiro de 2002 (IGP-DI/FGV)

Fonte: PIB: Banco Central do Brasil e IPEA - http://www.ipeadata.gov.br; Impostos: Arrendação da Receita Administrada pela SRF. - http://www.receita.fazenda.gov.br; Recursos das IFES: 1980-1990: MEC/SENESU/DPA: 1990-1994: MF/STN/CGC: 1995-2001: Execução Orçãmentária da União - http://www.camara.gov.br; Desp. Correntes do FPF: Execução Orçãmentária do Governo Federal e Balanço Geral da União.

1999 que pode ser explicado pela implantação da Gratificação de Estímulo à Docência (GED).
No período de 1990 a 2001, as greves escassearam e os salários, em termos de reajustes lineares para todos os trabalhadores, foram congelados. Alguns resultados foram obtidos até o final do Governo Itamar, em 1994. A partir de 1995 ressalta-se a aprovação da GED, no final do movimento de greve que durou de 31/03 a 13/07/1998.
A diminuição dos recursos das IFES também se verificou em relação à riqueza nacional. A comparação dos recursos das IFES com três

Gráfico 2
Recursos das IFES, todas as fontes, como percentual do PIB,

1989: Gov. Sarney; 1990-1992: Gov. Collor; 1993-1994: Gov. Itamar; 1995-2001: Gov. FHC

Gráfico 3
Recursos das IFES, todas as fontes, como percentual das despesas correntes do FPF

 

1989: Gov. Sarney; 1990-1992: Gov. Collor; 1993-1994: Gov. Itamar; 1995-2001: Gov. FHC

indicadores da riqueza de um país, o PIB, as despesas correntes do Fundo Público Federal (FPF) e o total da arrecadação de impostos da União, nos permite fazer essa afirmação. A Tabela 02 nos mostra que, em relação ao PIB, houve, de 1989 a 2001, um decréscimo de 35,8% nos recursos das IFES. Isso significa, em termos do PIB de 2001, um decréscimo de R$ 4,2 bilhões. O Gráfico 02 mostra como foi o comportamento desse percentual, de 1989 a 2001.
Em relação às despesas correntes do FPF houve um decréscimo 44,2%, que em termos das despesas de 2001 significam uma diminuição de R$ 6 bilhões. A Tabela 02 e o Gráfico 03 mostram como seu deu essa queda ao longo desses anos pós-constituição de 1988.
No que se relaciona à arrecadação de impostos, houve um decréscimo de 38,5%, o que, em relação à arrecadação de 2001, significam R$ 4,8 bilhões a menos. A Tabela 02 e o gráfico 04 mostram a evolução desse indicador.
O ano de 1989, apesar de ser aquele em que os recursos globais das IFES atingiram o maior valor, possui o mais baixo valor para outras despesas correntes e investimentos, um total de R$ 416 milhões. No governo Collor, 1990 a 1992 os recursos de outras despesas correntes foram praticamente inalteradas em torno de R$ 580 milhões; nos governos Itamar e FHC esses montantes quase se duplicaram, atingindo um valor em torno de R$ 1 bilhão e, nos anos de 1999 a 2001 tornam a decrescer, reduzindo-se em 2001 a R$ 804 milhões.


Gráfico 4
Total de recursos das IFES, todas as fontes, como percentual dos impostos

1989: Gov. Sarney; 1990-1992: Gov. Collor; 1993-1994: Gov. Itamar; 1995-2001: Gov. FHC

Quando comparamos os valores de outras despesas correntes do período 1989 a 1994
-valores que chegaram a ser de R$ 416 milhões em 1989- com os valores do período 1995-2000 -que chegaram a R$ 1.025 milhões-, poderíamos ser levados a concluir que houve uma elevação substancial nos recursos que se dirigiram para a modernização de laboratórios, aquisição de livros, construção de novas salas de aulas, aquisição de reagentes químicos para os laboratórios etc. Entretanto, nada disso ocorreu.
No contexto dos gastos de outras despesas correntes encontram-se, além daqueles que se destinam às finalidades acadêmicas, os chamados benefícios, o pagamento de professores substitutos e o pagamento de médicos residentes. Os benefícios se caracterizam como “salários indiretos”: vale-transporte, auxílio-alimentação, assistência médica e odontológica a servidores e seus dependentes, apoio à educação das crianças de 0 a 6 anos -chamado de vale-creche-, e o PASEP, formação do Patrimônio do Servidor Público. Os professores substitutos deveriam ser pagos com recursos de pessoal, o que ocorreu até 1996, alterando-se, a partir de 1997, para recursos de outras despesas correntes.
A implantação dos diversos benefícios ocorreu a partir de 1994 e, a partir de 1995, os reajustes lineares dos servidores públicos foram desativados. A contratação de professores substitutos se fez necessária pela proibição de abertura de novos concursos públicos para a vaga dos professores que se aposentaram. Tudo isso contribuiu para reduzir drasticamente os recursos para a efetiva manutenção das IFES. Portanto, o aumento dos recursos de outras despesas correntes cria ilusões quanto à melhoria das condições de trabalho tanto no campo acadêmico quanto no campo administrativo.
Com relação aos recursos de investimentos, houve um aviltamento dos mesmos, o que pode ser viso na Tabela 03 e no Gráfico 05 (Ver tabela 03 e gráfico 05), se quisermos utilizar as palavras duras do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), na publicação Políticas Sociais 2: acompanhamento e análise (IPEA, 2001: 62):

...nos últimos anos, os gastos desse ministério [MEC] com esses elementos de despesa sofreram profundo aviltamento (...) conforme pesquisa realizada no âmbito do IPEA, as despesas de capital realizadas pelo MEC junto às universidades federais, no período 1995-1998, registraram decréscimo de cerca de 82%.


Tabela 3
Recursos de investimentos das IFES, excluindo-se recursos próprios (1990-2001)

Ano
Investimentos
1990
327
1991
237
1992
178
1993
198
1994
192
1995
127
1996
92
1997
92
1998
7
1999
8
2000
59
2001
33

 

Valores em R$ milhões, a preços de janeiro de 2002 (IGP-DI/FGV)

Fonte: 1990-1994: MF/STN/CGC: 1995-2001: Execução Orçãmentária da União - http://www.camara.gov.br

Gráfico 5
Recursos de investimentos das IFES, excluíndo-se recursos próprios (1990-2001
Valores em R$ milhões, a preços de janeiro de 2002 (IGP-DI/FGV)

1990-1992: Gov. Collor; 1993-1994: Gov. Itamar; 1995-2001: Gov. FHC

Essa situação dramática dos recursos de outras despesas correntes e investimentos, originários do Tesouro Nacional, além dos salários congelados, estaria levando as IFES, exacerbadamente, ao quase-mercado educacional para obter recursos através da prestação de serviços.
A diminuição dos movimentos grevistas após a constituição de 1988, que obtiveram sucesso, estaria mostrando um outro ângulo das medidas pós-crise do Estado de Bem-Estar Social, que é a “quebra” dos movimentos sindicais. Estaria aí o reflexo do que Perry Anderson, em “Balanço do Liberalismo”, fala sobre a receita a ser aplicada frente ao aumento do poder dos sindicatos e das reivindicações do aumento dos gastos sociais. (Anderson, 1998: 11).
Os valores de outras despesas correntes e investimentos originários do Tesouro Nacional mostraram uma grande instabilidade e insuficiência durante tantos anos e algumas perguntas intrigantes se apresentam: Como as IFES conseguiram expandir suas atividades nesse período? Como conseguiram recursos para a aquisição de equipamentos de laboratórios e atualização de seu parque de informática? Afinal, como elas sobreviveram?
Não existe uma resposta precisa para tais questões. Podemos apenas levantar algumas hipóteses de explicação. Em alguns momentos, aliados políticos dos governantes angariavam recursos para as IFES de suas regiões; em outros, a própria instituição conseguia convênios e contratos intermediados por fundações de direito privado que apóiam as instituições, e cujas execuções orçamentárias não fluem através da execução orçamentária institucional. Esse movimento iniciou-se mais fortemente a partir do ambiente de competição instalado em 1990, no Governo Collor. Entretanto, foi no Governo FHC que essa atitude foi incentivada e ganhou dimensões maiores, principalmente pelo estancamento do “subterfúgio” da aplicação de recursos excedentes da folha de pessoal no mercado financeiro para geração de recursos próprios a partir de ganhos inflacionários.
Os valores dos recursos próprios mais elevados de 1993 a 1996 dão uma indicação da existência desse mecanismo de geração de recursos para outras despesas correntes e investimentos. A Tabela 04 e o Gráfico 06 explicitam muito bem esse fato.
O efeito “heterodoxo” anterior foi estancado a partir de 1995. Jornais de circulação nacional comentaram esse fato: o Jornal do Brasil de 24 de outubro de 1994, com a manchete “MEC estoura orçamento de pessoal”, noticiava:

Nos computadores do Tesouro Nacional, consta que foram liberados, para o pessoal


Tabela 4
Recursos própios utilizados pelas IFES (1990-2001)

Ano Outras Actividades Mnutencao Hosp. Universitários Total
1990 195 397 593
1991 213 329 543
1992 290 320 610
1993 601 353 954
1994 749 420 1,169
1995 458 384 841
1996 326 371 696
1997 266 341 607
1998 261 365 627
1999 220 32 252
2000 251 33 284
2001 242 37 278

 

Valores em R$ milhões, a preços de janeiro de 2002 (IGP-DI/FGV)
Fonte: 1990-1994: MF/STN/CGC: 1995-2001: Execução Orçãmentária da União - http://www.camara.gov.br

das universidades federais, R$ 2,3 bilhões entre janeiro e setembro. No entanto, a soma do que foi efetivamente pago aos funcionários e professores não passa de R$ 1,9 bilhões. Técnicos da área econômica acreditam que os R$ 400 milhões restantes foram gastos como custeio.

Josias de Souza, na Folha de S. Paulo de 26 de dezembro de 1995, sob o título: “Orçamento Papai Noel”, escrevia:
Em eterna penúria, a Fazenda segura os gastos como pode. Corta-se de tudo, exceto as despesas com a folha. Os salários têm de ser pagos, chova ou faça sol. Começou-se, então, a embutir na folha de pagamento despesas que nada têm a ver com os salários contas de água à aquisição de equipamentos. Ludibriado, o Tesouro liberava os recursos (...) Em junho, o Tesouro mandou pagar apenas os salários das universidades que aderiram ao Siape. A folha total da Educação era de R$ 410

Gráfico 6
Recursos próprios aplicados pelas IFES, em outras atividades (1990-2001),
excluindo-se os destinados aos hospitales universitarios
Valores em R$ milhões, a preços de janeiro de 2002 (IGP-DI/FGV)

1990-1992: Gov. Collor; 1993-1994: Gov. Itamar; 1995-2001: Gov. FHC

milhões. Liberaram-se magros R$ 300 milhões. Imaginou-se que haveria um terremoto na Esplanada. Qual nada. Pagaram-se todos os salários, como se nada tivesse acontecido. Havia uma gordura de cerca de R$ 200 milhões, sobra de folhas anteriores.

A manutenção de arrecadações próprias em torno de R$ 245 milhões, a partir de 1997, (ver tabela 04) equivalentes àquelas de 1991 e 1992 quando já existia o mecanismo da aplicação financeira de recursos de pessoal, poderia caracterizar o ambiente atual nas IFES que é o de, cada vez mais, prestarem serviços à sociedade para angariar recursos do quase-mercado educacional e assim poderem manter parte de suas atividades, recursos que se tornam fonte de complementação salarial dos professores e servidores técnico-administrativos. Temos que observar ainda que a maior parte das prestações de serviços se efetiva numa parceria com Fundações de Apoio, o que torna a detecção dos recursos arrecadados, por essa via, não perceptível numa análise das despesas do Fundo Público Federal.
Podemos inferir desses fatos que no governo FHC não sobrou outra saída às IFES senão dirigirem-se ao quase-mercado em busca de recursos para a sua sobrevivência. Podemos mesmo afirmar que a interrupção desse “fenômeno heterodoxo” -aplicação dos recursos da folha salarial no mercado financeir- foi o marco divisor entre as IFES irem ou não irem ao quase-mercado à procura de recursos financeiros para sua manutenção e modernização.
Ao implantarem as mudanças, os governantes passados -poderes Executivo e Legislativo-, sempre ancorados na argumentação da inevitabilidade imposta pela globalização e pelas novas exigências do mercado, não quiseram aprofundar a discussão sobre que conseqüências elas trariam para o futuro das IFES, como instituições dedicadas à elaboração da cultura. O que planejavam nossos dirigentes para a inserção do Brasil no contexto mundial? Estariam conformados com uma posição subalterna do Brasil perante as nações mais desenvolvidas? Teria havido uma “rendição pura e simples dos seus governantes?” (Fiori, 2001: 76).
Teria razão o ex-ministro Paulo Nogueira Batista (Batista, 1999: 52) quando afirmava: “As classes dirigentes se acham minadas pela visão neoliberal, e já conformadas com um status menor para o país no cenário mundial” (negrito nosso).
O comando, a direção dos projetos implantados deveria fazer parte, nas palavras de Nogueira Batista, de um “consenso brasileiro”, baseado em relações de interdependência e não de dependência com o mundo (idem, 60). Defende um...

Projeto de uma nação, que deseja cooperar com outras nações e delas receber cooperação, sempre porém, em base de igualdade e de respeito mútuo, sem qualquer renúncia a sua integridade territorial nem a sua soberania. Projeto que passa por uma política externa soberana que não seja, como muitas vezes no passado, um pacto entre as lideranças internas e externas, à custa do interesse mais global do país (ibid, 59; negrito nosso).

O processo de degenerescência a que as IFES estão sujeitas poderia levá-las, em médio prazo, a se tornarem instituições puramente utilitaristas, com alguns poucos núcleos de excelência científica e intelectual que, para sobreviverem nesse patamar, teriam que angariar recursos no quase-mercado, vinculando os seus trabalhos e projetos aos interesses dos financiadores, sejam estes governos ou empresas. Como conseqüência, o País perderia o seu maior complexo de instituições de ensino superior, lugares onde ainda impera o esforço de elaboração da cultura de que o país necessita.

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Revista de la Educación Superior
Vol. XXXII (4), No. 128, Octubre-Diciembre de 2003, pp. 159-165. ISSN: 0185-2760.